Há mais de 20 anos que o investigador Paulo Mazzafera, professor do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tenta criar uma variedade de café naturalmente sem cafeína e viável de ser cultivada à escala comercial. O trabalho foi destacado na revista Nature do dia 15 de Março.
Em dois momentos, Paulo Mazzafera, chegou a acreditar que tinha alcançado o seu objectivo. O primeiro foi em 2004, quando em parceria com Maria Bernadete Silvarolla, investigadora do Instituto Agronómico de Campinas (IAC), descobriu algumas plantas originárias da Etiópia que, graças a mutações naturais, eram livres de cafeína.
Como as plantas eram da espécie Coffea arabica, considerada a de melhor sabor e maior valor comercial, a descoberta parecia promissora. Publicado na revista Nature em 2004, os investigadores descreveram que as variedades etíopes tinham uma alteração na etapa final do processo bioquímico que transforma a teobromina – substância diurética e levemente estimulante – em cafeína.
“Ficámos extasiados. Sabíamos que as plantas encontradas não eram produtivas, mas sendo Coffea arabica achávamos que seria fácil fazer cruzamentos e transmitir essa característica (ausência de cafeína) para cultivares mais produtivas”, afirmou Paulo Mazzafera. Mas não foi tão simples assim, pois os cruzamentos faziam com que os descendentes recuperassem a sua capacidade de sintetizar a cafeína.
A equipa do IAC ainda não perdeu a esperança e mantém a linha de investigação com a coordenação de Maria Bernadete Silvarolla. Paulo Mazzafera decidiu tentar uma nova abordagem: tratar sementes de Coffea arabica - de uma variedade comercial conhecida como Catuaí Vermelho – com substâncias capazes de alterar o DNA da planta.
Numa pesquisa financiada pela FAPESP, entre 2006 e 2008, quase 30 mil sementes foram expostas a dois agentes mutagénicos – azida sódica e metanosulfonato de etilo -, na esperança de que o gene responsável pela síntese de cafeína fosse afectado em alguma delas.
Entre milhares de plantas analisadas, cinco mostraram ser boas candidatas e Paulo Mazzafera, mais uma vez, achou que estaria perto de alcançar a meta. “Fiquei empolgado, pois obtive uma variedade potencialmente muito produtiva, como o Catuaí, e sem cafeína.” Mas durante os primeiros testes o investigador notou que as flores da planta mutante abriam antes do tempo, deixando-a mais susceptíve de receber pólen de variedades com teor normal de cafeína. “A polinização cruzada acaba por restaurar o teor de cafeína. Para evitar isso, seria preciso isolar a plantação num raio de 2 quilómetros, o que seria inviável”, explicou.
A equipa sequenciou o gene da síntese da cafeína na planta mutante e verificou que ele estava normal, mas tinha pouca expressão. “Provavelmente, atingimos um factor de transcrição, ou seja, um gene que controla a expressão do gene da cafeína sintase (via de síntese da cafeína) e também controla algum gene relacionado com a abertura das flores”, explicou Paulo Mazzafera.
Há três anos que a equipa tenta corrigir o problema através de novos cruzamentos. Paralelamente, procura entender melhor o funcionamento do factor de transcrição afectado pelos mutagénicos. “Temos dois bons candidatos. Vamos silenciar esses genes numa planta normal para comprovar se, de facto, eles controlam tanto a síntese de cafeína como a abertura das flores. Uma segunda etapa será fazer com que eles controlem apenas a síntese de cafeína”, esclareceu o investigador.
Ainda que obtenham sucesso, os investigadores terão de vencer o tabu relacionado com o consumo de alimentos transgénicos para transformar o resultado da investigação num produto de valor comercial.
Grupos de investigadores de outros países também tentaram, sem sucesso, desenvolver uma planta de café descafeinada por meio de engenharia genética, como apontou a revista Nature. Como o mercado de descafeinados movimenta cerca de US$ 2 bilhões por ano, a busca dos cientistas não dá sinais de enfraquecimento, mesmo com os sucessivos reveses.
“Muitas pessoas não tomam café porque não querem sentir os efeitos estimulantes da cafeína e, ao mesmo tempo, acham o gosto do café artificialmente descafeinado mau. Isso ocorre porque os processos existentes actualmente para extrair a cafeína removem também outras substâncias do café, como os ácidos fenólicos e clorogénicos, e essas substâncias são importantes para garantir não somente o aroma e o sabor da bebida como também o seu efeito antioxidante. Se conseguirmos criar uma variedade de café sem cafeína que mantenha as demais características do Coffea arabica, muito mais pessoas vão passar a tomar café”, afirmou Paulo Mazzafera.
Fonte: Revista Cafeicultura
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